Educação Mediúnica

    A definição clássica de mediunidade, através da obra monumental de Alan Kardec, refutada pelos incrédulos e negativistas, foi aceita sem restrições pela comunidade umbandista. Pela profundidade dessa teoria se pode avaliar o conhecimento daquele mestre sobre as múltiplas e diversas manifestações da alma humana bem como o instinto das criaturas revelado no período de desenvolvimento mediúnico. Chega-se a admitir, pelo estudo comparativo, que o notável professor Sigmund Freud não aceitando “in totum” o pensamento daquele mestre baseou a sua tese nas manifestações do instinto. Não querendo dizer com isto que o estudo da alma seria mais transcendente, isto porque implicaria na pesquisa fenomênica, o grande médium escreveu sua tese apenas no instinto manifestado a partir do período latente do ser humano. Desse modo a mente ficou subordinada às forças do instinto e o conjunto das faculdades intelectuais e morais das criaturas, comumente chamado de alma, anulando na sua função precípua de dominar os impulsos da vontade incontrolada. Aí em que pese o nosso respeito à memória do inolvidável autor dessa revolucionária tese, o verdadeiro criador da psicanálise foi Alan Kardec.

    As provas da subsistência da alma, dessa essência imaterial que anima todos os corpos orgânicos, são tão exuberantes que as comunicações extra-terrestres comprovam esta verdade. Se bem que haja fraude, em conseqüência de vários fatores, todavia seria indigno negar a autenticidade dessas mensagens captadas por médiuns de comprovada honorabilidade.

    Ser médium não é privilégio de ninguém. Todos nós o somos em potencial. Qualquer um de nós poderá ver o imaterial se apurarmos os nossos órgãos visuais por via do desenvolvimento mediúnico. Ouviremos as mensagens das almas desencarnadas se aprimorarmos nossos órgãos auditivos, bem como o olfato, as cordas vocais ou a parte sensorial, com que sentiremos diversos odores, transmitiremos a palavra como receberemos as intuições.

    O desenvolvimento mediúnico outra coisa não é senão o aprimoramento das faculdades sensoriais e a educação do comportamento do médium na hora do transe. Nesta altura ele revela as suas tendências, os seus poderes e as suas inclinações. A sua cultura, a educação e as suas faculdades intelectuais e morais serão exteriorizadas em toda a sua plenitude.

    As psicoses oriundas do excesso de suscetibilidades com a sua torrente de inconveniências; o orgulho exagerado de um egoísmo atroz; bem como o estado permanente de desconfiança que caracteriza o paranóico, além dos traumas mentais provenientes de emoções inesperadas, cedem aos poucos através da doutrinação constante como preparo para o desenvolvimento mediúnico.

    Desenvolver o médium sem lhes tirar as arestas por via de permanente esclarecimento é o mesmo que chegar as mão de um neófito um violino para que este execute uma partitura de um compositor célebre. E o fato de a mediunidade se revelar de modo inesperado, uma graça divina, como a concebem muitas criaturas, maiores são as razões para a doutrinação ininterrupta. Procedendo-se desta forma, a fraude e a mistificação serão reduzidas, os espetáculos desagradáveis diminuirão e os médiuns farão jus ao respeito que lhes atribuirão os circunstantes.

    Como já está provado que o subconsciente influi poderosamente nos transes mediúnicos, a defumação e o banho de descarga, muito usados nos terreiros, ajudam os médiuns a se livrarem dos maus pensamentos armazenados na mente, resultantes das lutas cotidianas, dos conflitos de idéias e de desarmonias nos lares. Até a alimentação deve ser bastante sóbria, para que a elaboração no aparelho digestivo não perturbe o estado mental do médium.

    Tudo isto que foi exposto não constitui novidade para os babalaorixás e ialorixás, mas, como lembrete, notadamente para os médiuns em desenvolvimento, reputamos bastante oportuno.

    O médium é um elemento humano com tremenda responsabilidade entre o mundo terreno e o extraterreno. E confiar esta responsabilidade a uma criatura sem lhe dar toda assistência prática, e sobretudo teórica, é o mesmo que confiar uma metralhadora, com toda sua carga, nas mãos de uma ingênua criança.

    Essas severas advertências não são feitas para desestimular os incipientes mas para os alertar dos perigos que os rondam no período de iniciação. É que o médium, ainda em fase de preparação, pelo entusiasmo natural e tangido pelo desejo de aliviar o sofrimento alheio, entra em transe de modo indiscriminado e em ambientes inadequados, sujeito portanto, a toda a sorte de insucessos. Por isso não é demais lembrar que o juramento de obediência feito pelo iniciado ao chefe do terreiro, é para ser cumprido à risca. E quanto mais intransigente se revelar o responsável pelo seu desenvolvimento, maior deve ser o acatamento que redundará, como é evidente, em benefício próprio.

    É bom lembrar ainda, aos médiuns em desenvolvimento, que o babalaô-chefe está sempre assistido por um orixá. E que qualquer rebeldia, oculta ou ostensiva, fruto de fatores já mencionados, não lhes passa desapercebida. Daí uma série de penitências, de obrigações para os orixás, cuja finalidade reside unicamente em lhes quebrar a resistência, tornando-os dóceis e humildes.

    A humildade é a base da Umbanda. Sem isto ela seria um simulacro de religião e não atingiria as alturas em que está colocada. Não fora a sua origem, que a alma do escravo semeou em terra bruta, pelo sangue derramado de nossos índios, ela não falaria esta linguagem que é ouvida e bem interpretada por gente de todas as partes do mundo.

    Ser médium é ser humilde. É saber renunciar aos prazeres mundanos trocando-os pela prática do bem em benefício dos sofredores, dos desesperados e dos que caminham de olhos vendados pela estrada maldita dos vícios que aniquilam a espécie humana.

    Urge, pois, no período de desenvolvimento, dispensar ao médium muita ternura, paciência e tolerância, mas exigir dele o máximo de obediência e de acatamento às instruções que lhes são dadas. Ilustrar as aulas através de exemplos e comparações pelos resultados obtidos com as  criaturas de fácil percepção, pelo desejo de progredir e a moralidade revelada pelos apáticos ou insubordinados. Ensinar-lhe a fazer autocrítica constante e a saber imitar as imagens refletidas pelos que evoluíram. Dar-lhe, em suma, um preparo prático e teórico a fim de que a sua missão seja cumprida de modo respeitoso e não se transforme em motivo de chacota. Isto feito, as incorporações não trarão esta série de inconveniências que começa pelos defeitos físicos inexistentes e termina pelo vocabulário deprimente, de que o Exú não participa. Portanto o aprimoramento mediúnico depende do instrutor, mas, acima de tudo, da tendência e da boa vontade reveladas pelo médium.

    As giras de Exú são tão respeitáveis como as dos Orixás. E seu êxito depende exclusivamente da educação e do comportamento dos médiuns. E nenhum Exú, por mais atrasado que pareça, jamais viola as leis divinas para agradar aos que acalentam o sonho do perdão.

    Todo o médium em desenvolvimento deve aspirar sua purificação através da meditação e, sobretudo, do contemplativismo, para sentir a presença de Deus quando fitar o firmamento, quando se extasiar perante florestas exuberantes e fremir ao ouvir a música eterna das águas das cachoeiras.

    É por via da contemplação que o místico se despoja das impurezas materiais para merecer as graças divinas. E como todo o médium é um místico, há que despertar nele o interesse pela contemplação às forças prodigiosas da natureza. Admirando e contemplando a criação, o homem sente a presença de Deus.